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18 junho 2016

vittorio sereni / seis horas da manhã



Não há nada, já se sabe,
A que a morte
Não arranque o lacre.

De volta a casa, a porta
Estava mal fechada,
Para não dizer aberta.
Morrera há pouco tempo,
Desfeito em poucas horas. Mas
Vi o que os mortos, realmente,
Não podem ver:
A casa atravessada pela minha morte
Acabada de estrear,
Apenas um pouco espantada,
Quente ainda do calor
Que me deixara,
Quebrada a tranca,
Vão o ferrolho,
Vasto o ar que em meu redor
Me tornava tão ínfimo na morte.

 – Uma após outra, as avenidas
despertavam em Milão, alheias
a todo este vento.


vittorio sereni
tradução de ernesto sampaio
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001



18 dezembro 2014

vittorio sereni / terraço



Súbita nos colhe a noite.
                                       A maioria não sabe
onde o lago termina:
apenas um murmúrio
toca a nossa vida
sob um terraço pênsil.

Estamos todos suspensos
de um tácito acontecimento esta noite
dentro daquele raio de torpedo
que nos procura depois vira e se vai embora



vittorio sereni
frontiera
edizione di corrente
milano 1941


(versão de stefano cortese e gil t. sousa)






01 dezembro 2014

vittorio sereni / rua scarlatti



Com mais ninguém que tu
é a conversa.
 
Curta entre dois sopros de clamor
segue, toda casas, a rua;
mas de repente abre-a um rasgão
onde irrompem dispersos
garotos e talvez o sol na primavera.
Agora dentro dela parece sempre noite.
Mais adiante é ainda mais escura,
é cinza e fumo a rua.
Mas os rostos os rostos não sei dizer:
sombra  mais sombra de cansaço e raiva.
Daquele sofrimento zomba
um bater de saltos adolescentes,
a repentina rouquidão dum dueto
de ópera numa multidão apressada.

É aqui que te espero.


vittorio sereni
gli strumenti umani
einaudi
torino 1965



(versão de stefano cortese e gil t. sousa)



18 novembro 2014

vittorio sereni / dentro de mim a tua memória é um ruído



Dentro de mim a tua memória é um ruído
de velocípedes que vão
silenciosamente  onde a altura
do meio-dia desce
ao mais incandescente crepúsculo
entre portões e casas
e suspirando encostas
de janelas reabertas ao verão.
Só, apenas para mim, distante
permanece um gemido de comboios,
de almas que se vão embora.

E aí, leve, vais tu sobre o vento
perdes-te na noite.


vittorio sereni
frontiera
edizione di corrente
milano 1941


(versão de stefano cortese e gil t. sousa)




10 novembro 2014

vittorio sereni / as mãos



Estas tuas mãos que sobre ti se fecham:
fazem-me noite no rosto.
Quando lentamente as abres, lá à frente
a cidade é aquele arco de fogo.
O sono futuro
será  de persianas riscadas de sol 
e eu terei perdido para sempre
aquele sabor de terra e vento
quando as voltares a abrir.



vittorio sereni
frontiera
edizione di corrente
milano 1941


(versão de stefano cortese e gil t. sousa)






28 outubro 2014

vittorio sereni / aqui estão os abismos e os amigos




Aqui estão os abismos e os amigos
estão tão distantes
que um grito é menos
que um murmúrio a chamá-los.
Mas sobre os anos volta
o teu sorriso limpo e fatal
semelhante ao lago
que arrasta pessoas e barcos
mas que enche de cor as nossas manhãs.



vittorio sereni
frontiera
edizione di corrente
milano 1941


(versão de stefano cortese e gil t. sousa)





22 outubro 2014

vittorio sereni / nevoeiro



Aqui o trânsito treme
suspenso na luz
dos semáforos imóveis.
Eu venho do lado
onde a cidade se adensa
e um sopro de alto-forno a esconde.
Peço ao coração uma voz, responde-me
um ruído constante
de fundições, de martelos.

E o tempo passa a inverno
eu bato as ruas
que aos dias de raposas meigas
outono de feltros verdes florescia,
as avenidas celestiais do depois da chuva.
Ao sinal de luz avança
e fica um ano, nestas terras.
Acende-se a um canto um sol efémero,
um tufo de mimosas
na branquíssima névoa.



vittorio sereni
frontiera
edizione di corrente
milano 1941


(versão de stefano cortese e gil t. sousa)