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22 maio 2022

ruy cinatti / paisagem

 
 
Um tranquilo lago entre pinheiros
e um jardim selvagem em primeiro plano
e ó cavalgadas pela noite fora…
A minha vida dava por um momento
de trote ou passo ou galope lento
buscando uma estrela na alvorada.
 
13/11/76
 
 
 
ruy cinatti
56 poemas
de paisagens
relógio d´agua
1981




11 janeiro 2019

ruy cinatti / enigma




A noite, o vácuo, o nevoeiro
aceso em minhas lucilentas cinzas.
O pássaro veloz que se despenha
nas águas, e um peixe abica
e nele estrebucha, de possesso,
arrebatado ainda e… – ó conquistas!
Maior avanço, ora supões causas
inadmissíveis, conquanto exactíssimas
como o quadrilátero entreaberto
num círculo – acme da vida.
O voo segue e chega-se aos astros.
Ícaro cai, os mares ressuscitam-no.

30/6/77



ruy cinatti
56 poemas
de paisagens
relógio d´agua
1981







16 julho 2018

ruy cinatti / veneza




Os palácios alinham-se à beira d´água
e os degraus escondem-se nos fundos palustres.
Altas torres crescem, intervaladas,
e avançam, tetraédricas no céu.
Barcos à vela e algumas gôndolas
navegam silenciosas. De uma janela
um astro é lançado contra um remador…
As pombas esvoaçam em redor
e o tom mais nítido lembra o arco-íris…

6/12/76



ruy cinatti
56 poemas
de paisagens
relógio d´agua
1981







13 dezembro 2017

ruy cinatti / símbolos



A estrela e a cruz, ó Che Guevara,
meu raro amante, que me adormeceste
no teu braço esquerdo – juntos os pés.
Tenho dormido contigo em muitos homens
e fui eu que os adormeci e lhes dei sossego.
O teu retrato vive no meu quarto
e multiplica-se nos altares do mundo
com S. Francisco, esse lindo parvo…
com Santa Clara lá num claustro em Assis, que me diz tudo,
como em Cuba me disseste e na Bolívia-Inca
e em Portugal agora… Paz, meu Deus!

6/3/77



ruy cinatti
56 poemas
de antiguidades burlesco-sentimentais
relógio d´agua
1981





24 janeiro 2017

ruy cinatti / momento num café



As mãos lindas que vi deixam-me absorto:
compridos dedos, polegares de espátula,
um dedilhar de flores em jardins ociosos,
só comparável a conversa amena
de duas mulheres simples debruçadas
sobre o tampo liso de uma mesa.

A riqueza da vida reside nisto:
um leve toque no ombro do próximo…
uma cortina de chuva vedando a verdade
olhos indiferentes, indiscretos…
e um ar de encanto, um fácil soluço
ouvido longe, como que em segredo.

9/11/76


ruy cinatti
56 poemas
de antiguidades burlesco-sentimentais
relógio d´agua
1981




14 julho 2016

ruy cinatti / fezada



Eu vi a Cristo num país de assombro
onde rapazes proclamam alto Teu nome,
boca alta, sem nenhum atavio,
que os leve a jogar ao esconde-esconde.
Eu vi e fiquei pávido, pasmado,
como ancorado num cais um navio novo
e dei comigo a cantar – Louvo-te Senhor,
neste meu país, Portugal de assombro,
com os três rapazes que Daniel cantou,
afagando ele a boca aos leões.
E agora procuro-os, penso neles,
a coisa mais natural do mundo
e desafio a que me procurem onde
Jesus andou com as criancinhas, os pobres
e os privados do seu Nome.

8/7/76


ruy cinatti
56 poemas
de os castelos interiores
relógio d´agua
1981




23 janeiro 2016

ruy cinatti / primeiro septeto


I
O passo alinhavado do cego,
abatido pela ponta da bengala,
é vermelho e branco quando ele passa
determinado, tatibitate o passo,
alinhada parede. Mão
atenta,
livre,
atravessa-lhe a rua. A confiança
só no coração se alcança:
é toda esperança.
Não a do cego. Ele sente a mão,
antes parede. Depois
o sobretacto ponta de bengala
no chão. Certeza
é um terror que se cala
branco ou vermelho ou a esmola
recebida, recusada. No jardim
recolhe sol com as mãos.
Leva-o aos olhos. Recolhe a casa
Para viver a manhã.


ruy cinatti
sete septetos
1967




11 julho 2015

ruy cinatti / algures na beira



A paz das aldeias entre montanhas…
Casa agranitadas, telhados de ardósia,
ruas de terra e de pedra solta,
videiras alçadas em árvores de limo…
Passear por estes campos à beira das coisas
é um supremo bem que não de alcança
senão a caminho do nosso destino.

6/12/76


ruy cinatti
56 poemas
de «paisagens»
relógio d´água
1992



02 junho 2015

ruy cinatti / saudade


Ouvi dizer que a tua voz se ouvia
lá longe, em Timor, na outra banda do mundo,
e que era esse o profundo dilema
da tua casta, enamorada alma.
O que não ouço fere-me o ouvido
e há segredos, que ocultos soluçam…
De tanto sofrer, uma dor simples
vagueia errante… Uma gaivota alada…
A minha vida, uma perdida âncora
em praia ignota, que eu conheço a fundo.
Tardarei muito a encontra-la,
mas será cedo para a vizinha morte.

13/3/77


ruy cinatti
56 poemas
de «ali também timor…»
relógio d´água
1992





06 junho 2011

ruy cinatti / vigília

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Paralelamente sigo dois caminhos
Abstracto na visão de um céu profundo.
Nem um nem outro me serve, nem aquele
Destino que se insinua
Com voz semelhante à minha. O melhor do mundo,
Está por descobrir. Não segue a lua
Nem o perfil da proa. Vai direito
Ao vago, incerto, misterioso
Bater das velas sinalado e oculto.

Quero-me mais dentro de mim, mais desumano
Em comunhão suprema, surto e alado
Nas aragens nocturnas que desdobram as vagas,
Chamam dorsos de peixe à tona da água
E precipitam asas na esteira de luz.
Da vida nada se leva senão a melhoria
De um paraíso sonhado e procurado
Com ternura, coragem e espírito sereno.

Doçura luminosa de um olhar. Ameno
Brincar de almas verticais em pleno
Sol de alvorada que descerra as pálpebras.




ruy cinatti
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001
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