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10 março 2024

rui penote coias / se quiseres que eu me perca

 
 
Se quiseres que eu me perca, buscarei outra ilha.
Esperarei a morte diante dos olhos,
o milhafre junto à ravina de crisântemos.
Ao longe, correndo para a primeira luz do dia,
estarei à tua espera, acenando com a mão esquerda,
avançando sobre o mar.
não te esqueças:
aprendi um dia que deus nos traz um sono
leve que nos cega.
 
 
rui penote coias
hífen 10 maio 1997
cadernos semestrais de poesia
anos noventa (alguns poetas)
1997
 



12 fevereiro 2020

rui coias / a ordem do mundo


7.
Em qualquer momento, no começo e no fim,
mesmo na medida de toda a vida – falhos de toda a pena,
permanecemos sem amanhã nem princípio,
esbatidos na idade e na distância, saqueados na sua mentira,
apenas acumulando areia para o fundo de um recreio
a simular um amuleto contra o regresso impossível.
Não temos trégua – não podemos voltar – e afastamo-nos – sem
ruído – lá para onde de longe chamamos, no ar rarefeito
– figuras resumidas a uma branca poeira informe,
em quantas inumeráveis semelhanças com a morte.
Pressentida ruína, a do íntimo declínio disto tudo,
demais cientes na incerteza como o sinal exposto da memória,
resina que nela se abate à frente dos olhos, que
esmaga cada braçada do tempo ao seu embuste
e nos recusa a menor separação do abandono –
que por nada existimos – e só acenamos – acenamos –
senão para crer no que julgamos não ter acontecido,
senão a entender a justa aceitação da nossa vida.




rui coias
a ordem do mundo
quasi edições
2005







05 novembro 2016

rui coias / a ordem do mundo



25.

Já não tarda o novíssimo tempo
 – de que se espantarão os crentes e amados
e os que bendito voto juraram,
e os penitentes e noviços e também os bailadores,
e os que em sua arte se consagram, e do futuro duvidam,
e nós todos por ele em desgraça
e com o mistério da palavra corrompido.
Já não tarda o novíssimo tempo –
quando não mais chegar o desejo inspirador,
quando não mais entre mãos nos perdoarmos,
quando soarem em cracóvia os carrilhões,
se nada ofuscar na hora solitária,
quando for mais tarde – for mais tarde.
Então ímpios seremos e impuro há-de ser o nosso anjo,
o outrora das paragens atento e guardião, o
os afectos servindo-se para combalir o nosso ânimo,
galgar as arcadas com o beiço de um símio
e o fedor espalhar nas terras em que jurou deus.
Dizer que prosperámos sob céus férteis – qual acreditará
qual presenciou a terra lisa, e os seus vales, e
o amor dormente que de tão esguio nem vulto leva?
Dizer que fomos ditosos – será em vão,
a quem for dado o pavor insigne, em nada crerá,
e do dia para a noite, sob as construções,
enquanto ao caridoso acorremos, que mais acorrerá,
os acossados pregadores assomarão incólumes
dizendo: «como jurar-te se
jamais de entre nós se alentará o rosto – senhor,
como proclamar-te?».
E os que tomarão o disfarce de apóstolos,
dos nefastos distritos a chegar,
notarão os sinais para declarar o juízo – e
não haverá clemência com os mártires
 – e neles lastrará a pestilência!,
pois sete vezes os sete dementes anjos
devassaram o corpo e sangue do cordeiro.




rui coias
a ordem do mundo
quasi edições
2005




30 novembro 2010

rui cóias / despede-se de outra vida






2.



Despede-se de outra vida, de uma terra já vergada,
quem regressa com a chave do inverno marcada nos seus passos e,
nesta
hora, renuncia ao próprio alento.
Porque esta é mesmo a sua morte. Quando
a paisagem traz a vida para mais alto, a vida em que se move o
devir do tempo
que assim serve os seus próprios fins
quando os jacintos empalidecem nas longas escadarias
como coisas que se tocam, atingidas.
Porque o inverno não se ouve, nem define,
mas sujeita o sangue a todas as histórias que terminam. Porque
o inverno não se lembra,
mas vê fulcros que expandem nas encostas, vê o fio de mel que viaja
na penumbra
de uma ponta da terra a toda a terra.
Porque o inverno não é o que parece. Mas é a bruma dos frutos
novos
e o orvalho em que o passado se efabula no presente
em plenos frios, com raízes entranhadas.
Porque esta é mesmo a sua morte; em tudo o que viu antes, que não
conhece fim,
em tudo o que se afasta a um passo do caminho
abandonado para sempre
no silêncio que quer aproximar-se, que não ouve mais do que silêncio.
Porque a morte regressa doutra vida – porque
sabe-o no sulco em que os passos, vendo atrás as clareiras,
pressentem o flagelo
em que o rosto, no intervalo delas,
é essa vida a chamar das áleas decrescentes,
a recuar em vistas mortais, em quilómetros, nessas vastidões.






rui cóias
cinco poemas
relâmpago
revista de poesia nr 26
abril 2010
fundação luís miguel nava
2010





17 abril 2008

a função do geógrafo





1.


Se quiseres que eu me perca
buscarei outra ilha.
Esperarei a sombra diante dos olhos,
o milhafre na ravina de crisântemos.
Ao longe, correndo para a primeira luz do dia,
estarei à tua espera,
acenando com a mão esquerda,
avançando sobre o mar.
Não te esqueças,
aprendi um dia como deus nos traz um sono
leve que nos cega.








rui coias
a função do geógrafo
quasi edições
2000