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29 novembro 2022

per aage brandt / uma coluna cúbica de nuvens

 



 
 
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uma coluna cúbica de nuvens num céu sem peso
uma fachada de casas cujas janelas nada exprimem
um guiso sem bobo pousado sobre um soalho que range
um corpo nu de mulher pintado e emoldurado no ouro da
                                                                  [intimidade
                                                                    (magritte)
 
*
 
 
 
per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004
 



30 agosto 2019

per aage brandt / o homem é um hóspede efémero da terra




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o homem é um hóspede efémero da terra,
pensava o poeta asteca, mas um hóspede
nem sempre é um homem aqui na terra;
na rua, num país estrangeiro, na cama de alguém,
acontecem coisas estranhas, um coração é uma
arma eficaz, e (citação) de qualquer modo morreremos,
abandonando-nos uns aos outros, abraçados, com a língua na
orelha
de um corpo que vibra de prazer ou se alonga num grito de
guernica,
depois do encontro com alguém que passou
e desapareceu ou tomou a decisão de ficar

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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004






26 janeiro 2019

per aage brandt / o gato agacha-se na gravilha branca



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o gato agacha-se na gravilha branca e fareja
uma mariposa nocturna porque é noite, e os insectos volteiam
em redor de todas as coisas brancas, como se fossem luzes,
cães e meios de transporte, cantam entre falésias
onde os humanos vivem,
deixamos o espaço às coisas e tapamos com mantas de imagens
os olhos, a noite é mais pesada que os nossos corpos, muito mais
                                                                                          [fria
e muito mais sabedora

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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004








31 julho 2018

per aage brandt / eu sou apenas uma sombra




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eu sou apenas uma sombra de mim próprio,
ela atravessa sem resistência
a sala, cai sobre móveis
e papéis, instrumentos musicais,
restos de flores, um casaco vazio nu-
ma cadeira, dentro do qual uiva um telefone
como um lobo, seja para quem for
                               (homo homini lupus)

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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004






01 março 2018

per aage brandt / quando duma coisa


  
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quando duma coisa
decorre outra
e desta decorre
outra vez a primeira
então a primeira
não vale a pena

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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004








03 março 2016

per aage brandt / se mudares a entoação duma frase



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se mudares a entoação duma frase,
por pouco que seja, então é outro que
falará na frase, e se mudares a sua velocidade,
então é outro que falará, e se pegares
na frase com uma pinça como a um in-
secto ou a um preparado, ou se nela, nela repetires
qualquer coisa, então estarás a falar com ironia
e, assim, não poderás estar a falar a sério,
porque o que disseres ou é falso ou tão verdadeiro, que
nem sequer será possível prenunciá-lo

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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004



19 dezembro 2015

per aage brandt / há três pontos de vista no mundo


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há três pontos de vista no mundo:
o de um ser humano o de um narrador e
o de sirius que é o único que sabe tudo
enquanto o narrador sabe um pouco
de tudo e o ser humano o
suficiente sobre como é
amar alguém até ao ponto de o próprio tempo
suspender a respiração ou choramingar e rasgar
o céu e aterra até que eles se confundam
 e tudo isto sendo o que é talvez o
                                                        (fim)

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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004




28 outubro 2009

per aage brandt / livro da noite










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(Silêncio).


- Estás tão ausente.
- Também tu estás ausente.
- Diz-me porquê.
- Diz-me também tu porquê.
- Isso entristece-me tanto.
- E como pensas que me sinto.
- O mesmo te pergunto eu.
- És tu que me tornas ausente.
- Mas eu estou aqui.
- Eu também, deixa lá!


(Silêncio).


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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004

21 abril 2008

nesse dia






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nesse dia ele parecia-se tanto consigo que se confundia,
tal como o dia se confundia consigo mesmo
e a confusão a ambos confundia


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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004





13 fevereiro 2007

livro da noite




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há coisas que não faço voluntariamente:
sonho o que sonho,
sinto o que posso sentir,
e querer é coisa que não quero de modo
nenhum, todas estas coisas aconte-
cem, como se fossem sexo,
e eu o seu corpo, quando as faço.


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per aage brandt
livro da noite
trad. maria joão reynaud
poetas em mateus
quetzal
2004