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13 julho 2016

martin earl / no instituto


Peter nadava por entre as palavras, arrastando o corpo
com os músculos da boca. Nasceste
numa bicicleta a caminho de uma cimenteira.
À tua mesa o pão ia de mão em mão, resmungando.
Os olhos deles pareciam codornizes dispersas
debaixo da atalaia. As vozes eram o arfar reverso
dos fios, quando os eléctricos tocavam o passeio. Misha
escutava intensamente enquanto o assunto mudava para o-de-
                                                                                     -coração-despedaçado,
uma marca verde no papel diante dele, como Bach.
Acendeste o fogão de louça amarela com carvão
ordinário, grácil como uma frase. Pontus mentiu sobre Belman,
alterou os factos da biografia, para se
distanciar, como o sossego do pátio por detrás
do instituto. Por detrás de certas palavras os homens moveram-se
como ficheiros por detrás de divisórias, já não
pensando em si como almas dentro de corpos, mas
como fundas gavetas de metal sobre calhas. Peter
voltou a Rilke, as oitavas de uma única frase,
a mão com a batuta tecedeira, rolando sobre si própria
no ar, que parecia brilhar de calor cansado.
O poema acabou, segundo Pontus, entre
duas cidades, com alguém que perde a capacidade
de agir, entre uma fieira de prédios, de altos arcos
abatidos, neve no ar, mas sem nevar.



martin earl
poesia do mundo
tradução de maria irene ramalho
edições afrontamento
1995


06 julho 2015

martin earl / no instituto



Peter  nadava por entre palavras, arrastando o corpo
com os músculos da boca. Nasceste
numa bicicleta a caminho de uma cimenteira.
À tua mesa o pão ia de mão em mão, resmungando.
Os olhos deles pareciam codornizes dispersas
debaixo da atalaia. As vozes eram o arfar reverso
dos fios, quando os eléctricos tocavam o passeio. Misha
escutava intensamente enquanto o assunto mudava para o-de-
                                                                                 -coração-despedaçado,
uma marca verde no papel diante dele, como Bach.
Acendeste o fogão de louça amarela com carvão
ordinário, grácil como uma frase. Pontus mentiu sobre Belman,
alterou os factos da biografia, para se
distanciar, como o sossego do pátio por detrás
do instituto. Por detrás de certas palavras os homens moveram-se
como ficheiros por detrás de divisórias, já não
pensando em si como almas dentro de corpos, mas
como fundas gavetas de metal sobre calhas. Peter
voltou a Rilke, as oitavas de uma única frase,
a mão com a batuta tecedeira, rolando sobre si própria
no ar, que parecia brilhar de calor cansado.
O poema acabou, segundo Pontus, entre
duas cidades, com alguém que perde a capacidade
de agir, entre uma fieira de prédios, de altos arcos
abatidos, neve no ar, mas sem nevar.



martin earl
poesia do mundo
trad. maria irene ramalho
edições afrontamento
1995



28 junho 2010

martin earl / vinho








Quanto mais ao sul mais chegados à terra
São as culturas, dobradas como velhos japoneses
Sobre as pernas, um braço esticado, a olhar
Para trás por sobre os ombros, para as figuras
Que os outros fazem, todos assim, ou de joelhos
Pelo arame fora, enquanto vai descendo o sol:

Um Deus verde enlaçado, ao qual a mágoa
Segue a toda a parte, como por sistema –
A sua hora um copo de vinho cheio de tempo,
Onda semeada no sangue, sulco aberto
No cérebro, engenho aguçado demais:
Saem-lhe as ideias, em latim, sem rima.

Mas quando, à altura dos olhos, vejo
Jorrar a luz da janela que o atravessa,
Como se viesse de algures dentro
Do copo, ou dos olhos de quem bebe,
Eis que trespassa o coração, vai direita
Ao medo e leva tudo, eu sei que vou ficar.







martin earl
sonnets from the portuguese
trad. de manuel portela
oficina de poesia
revista da palavra e da imagem
nr. 1 série II
junho 2002