Mostrar mensagens com a etiqueta m. fernanda silva. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta m. fernanda silva. Mostrar todas as mensagens

28 junho 2014

m. fernanda silva / o murmúrio sobre os olhos



O murmúrio sobre os olhos
no contorno do rosto
a brisa de um suspiro
a água que que se acalma
na planície
sobre os verdes musgos
os pequenos calhaus que brilham
como luzes de semáforos
o corpo
o corpo sem dono
sem substância
na orla do caminho
de cascalho cantante
e o murmúrio
sobre os olhos
que se fecham
à luz dos calhaus como semáforos
como gritos incandescentes
como pedras siderais
como corações moribundos
o corpo que se volatiliza
sob o sol vermelho
das madrugadas


m.f.s.




18 fevereiro 2009

m. fernanda silva / essas mulheres









as mulheres que se deitam à noite
nos quartos levemente amarelecidos do fumo
dos cigarros
daqueles homens que as
frequentam
lhes exigem excitações inéditas
lhes gritam
lhes choram nos colos
e soluçam
desamparados
lhes atiram alguns euros
sobre os lençois encardidos
das camas murchas

as mulheres de todos os homens e mais
um
e menos um
que nem sonhos têm
pois morrem todos os dias
e noites
nas gélidas camas

essas mulheres são como sombras
translúcidas

não se recortam em nenhum
horizonte
em paisagem alguma

não desenham corações
nas janelas embaciadas
quando há inverno
não esperam os fulgores
dos ocasos
nos verões intermináveis

e só cheiram as flores dos
anúncios televisivos
dos outdoors convidativos
das revistas cor de rosa que
às vezes espreitam
nos quiosques superlotados
entre notícias
artes banais
economias em desastres
revistas informáticas
vídeos mais baratos
armadilhas de mexericos
de ridículas damas botoxadas
nas maçãs
dos rostos anciãos


as mulheres das noites paralelas
dos dias de sonos agitados
com filhos na berma das cidades
pais velhos em aldeias
quase extintas
elas também
permanentemente
extintas
corpos de almas esvoaçantes
buscam não sabem o quê
porque já nada sabem
excepto que lhes é proibido
ser mulheres









m.f.s.









23 novembro 2008

m. fernanda silva / ele paira








ele paira
entre dois céus de arame
ele paira
no leito das loucuras ambulantes
sobre os folhos dos louros rios
universais
entre duas mãos que se aglutinam
dois pensamentos enfeitados
de florescentes canduras

ele corta o volume
da estátua de pedra entalada
nos longínquos cenários
do seu espaço adormecido
enquanto paira

as nuvens roçam a pele dos pégasos
perdidos entre mercúrio
e o sol
rutilante sedutor dos temerários
devorador das ambições filiais
deus dos esfriados meninos
sem mamã

ele paira entre ele e ele
no exíguo leito de espelhos
estilhaçados








m.f.s.





02 outubro 2008

m. fernanda silva / um ar de qualquer coisa







depois um ar de qualquer coisa
qualquer
um nada de nada
intrincado
uma gota em goteiras de
nervosos rastos de gotas

uma andorinha que desenha guinchos
nos papeis das nuvens por abrir








m.f.s.






10 abril 2008

há sede nos cantos da boca






há sede nos cantos da boca encerrada para obras
películas brancas brotam dos caminhos para o beijo
regos de águas paradas enxameiam as planuras
das aguarelas encaminhadas no sentido inverso
da nostalgia

a menina deixa a saia de tule branco
para usar uns calções de pele genuína
esganado que foi o animal da sua alma

saem-lhe perfumados chifres da cabeça
entontecida
os problemas respiratórios agravam-se
com a boca fechada para obras
os beijos perdem o norte
e enrolam-se nas palhas dos trigos ceifados
nas planuras aguareladas
repletas de nostalgias remanescentes







m.f.s.






11 outubro 2007

assim que souber




assim que souber onde se escondem as anquilosadas carmencitas
dos centenários flamencos sapateados em barulhentos metais e
roucas vozes
os d. josés iludidos depois desiludidos os toureiros organizados
em cooperativas da velha guarda atónita e remendada
os rapazes dos coletes brilhantes apertados e vermelhos do sangue da besta

assim que souber se vale a pena saber saberei o que fazer
conhecerei o meu destino pintalgado nas paredes do meu cubículo
as rosas que me adornam os pés serão regadas de cristais líquidos
retirarei desses olhos esmaecidos ao sol-pôr luzentes como gatos escondidos
nas noites
as opacidades que de longe te transmitem a voz dos esquecidos

terei nos meus braços o teu doce coração livre dos tormentos arroxeados
passarei as minhas mãos sobre os teus cabelos de pálido querubim
acariciarei as tuas doces orelhas de centauro solitário e sonhador
alisarei o teu pelo de ricos brocados renascentistas com cores de rubens
calçar-te-ei de garbosas botas voadoras

poderás de novo correr os bosques molhar o teu corpo nas espumas estelares
semear alegorias nos livros por editar em prateleiras cinematográficas
ambos poderemos ser uma coisa e ser outra e ser tudo e sobretudo
sermos o que somos


m.f.s.






12 setembro 2007

eu sei




brilhos com fulgurâncias na opacidade das noites reverbativas
calmas ondulações nos peitos habitados dos habitantes sem casa
deito sobre as águas as águas dos meus olhos crucificados
e espreito as lucarnas das cúpulas sagradas dos infinitos

revejo as lições jamais aprendidas nos cadernos enfurecidos
dos alunos incompreendidos na sua estranheza de seres inertes

que noite de inquietação gritante contra os céus incógnitos
da nossa lua deambulante qual triste noiva sem véus nem flores de
laranjeira
abolidas das tradições nupciais
plásticas
em cerimónias de fantochadas acrílicas
e construções precárias

quanta ilusão desvanecida nas mãos de jovem senhora de
provecta idade
no seu sofá sentada
televisor mudo
os arames de suas roupas em cores de ferrugem
sobre o azul dos cabelos
o amarelo das dores

e a noite que se encolhe
distende
sonha
de olhos semi-cerrados nas covas orbitais

sou?
quem?
como?
quando me imaginaram?

eu sei

no tempo sem tempo
nas costas do universo paralelo a este
onde nado confortavelmente
na piscina aquecida






m.f.s.






28 maio 2007

deixou um rasto de sombra riscado de luzes





deixou um rasto de sombra riscado de luzes
sobre o incauto coração
e as nuvens enfeitavam as janelas fechadas
carimbou a sua posse com marcas de anil fechado
anil irisado anil nacarado
e as árvores murmuravam lampejos frementes
prendeu nas suas penas as almas românticas
as almas sem reflexo
e o sol tingia de carmim as mãos dos inocentes
imaginou um cenário de cordeiros degolados
sobre aras pagãs
e isaac morria às mãos do anjo mensageiro
apoderou-se irredutivelmente dos vazios
dos nadas das agonias
e madalena morria aos pés do prometido
amalgamou os universos destroçados os
estreitos vales das mortes
e
enfim
a revolta dos desprotegidos
ergueu-se nos caminhos calcados
sacudiu as desgraças obrigatórias
estendeu céus resplandecentes
deixou silhuetas nos horizontes
refez os destinos
reviveu
levantou a cabeça

ámen





m.f.s.








09 maio 2007

alma simétrica




faremos um pacto
alma simétrica
jamais vista em
qualquer horizonte

selaremos o pacto
com a linfa em que se banham
os nossos sentimentos
eriçados de tremendas
hesitações

guardaremos o pacto
no cofre mágico
das coisas verdadeiras
das coisas desejadas
na nossa decrepitude

esqueceremos o cofre
o pacto
as coisas verdadeiras
desejadas
nos limbos
das perdições

encheremos de ouro
os ramos
desfolhados das
árvores sem raízes
das árvores esvaziadas
da volátil seiva
do frágil fio
de prata
que une as coisas
desunidas

faremos uma cúpula
de águas
em sinfonias
transparentes
e luzes de palcos
habitados

seremos
os construtores das nossas
harmonias
os pais dos imanentes
regatos
da nossa hidrografia

novos deuses seremos
minha alma simétrica








m.f.s.

09 março 2007

sob a pluma do poeta





sob a pluma do poeta
ensimesmado
corre a linha
desliza a linha da palavra

que agarra outra linha
outra palavra
e como no tear ancestral
tece a renda do texto
borda as cores
dos inaudíveis sonhares
abismais

entrelaça o pensar
deslumbrado
entontecido de desmaios
singelezas outonais
nos campos
das cegueiras múltiplas

desengonça as infiltrações
escondidas sob as
peles esburacadas
de bailarinas células
constroi e
desconstroi
o universo finito
das imitações criativas
faz-se sombra de deus
seu objectivo final

por vezes








m.f.s.






10 janeiro 2007

m. fernanda silva



à superfície do fogo ...




à superfície do fogo a respiração dos equilíbrios
a frágil ironia dos contrários os espaços cheios de vácuo
os grafismos que se soltam dos murmúrios das plantas
rasteiras à beira-mar

no coração do lume as palpitações das águs presas
os cordões umbilicais que se entrançam enegrecem
as vísceras que escutam Bach cantam os coros voláteis
rompem-se em partículas não observáveis

nas almas reluzentes dos nados-mortos deitados sobre
véus de noivas dilacerados tingidos de invisivilidade
as portas intransponíveis dos outros universos
que de longe nos acenam improbabilidades poéticas





m.f.s.




30 outubro 2006

post it / m. f. s.

a perfeita canção do soldado



a perfeita canção do soldado arma-se nos olhos dos escondidos
daqueles que cegam à luz do meio-dia

a perfeita canção do soldado soa a marchas de botas apertadas
enche-se de alegre patriotismo

a perfeita canção do soldado faz cair os pés de barro
dos ídolos instalados nos gabinetes

a perfeita canção do soldado soa a marcha fúnebre
com botas brilhantes e apertadas


m.f.s.

12 setembro 2006

post it / m. f. s.



conta-me histórias de terror
das que arrepiam as articulações
histórias às cores fantasmagóricas
com suaves ectoplasmas
com muito ketchup
negrumes pelos cantos
e abismos

conta-me histórias de plástico
americano com perucas perfuradas
babas luminescentes
suspensas nas teias
pré-fabricadas
vítimas deliciadas
carrascos amedrontados

conta-me a versão revista
e ampliada da menina de capuz
sanguinolento
dentes de loba
adolescente
vestidinho de boneca assassina
diz-me como foi
que ela conseguiu
escapar à feroz avozinha

conta-me tudo
com muitos pormenores
não te enganes na sequência
que te farei repetir tudo
até o arrepio voltar




m.f.s.



29 junho 2006

post it / m. f. s.

candelabros



candelabros minha flor de laranjeira

sussurrava o sussurrante ao ouvido esquecido

candelabros ofuscantes na paisagem futurista dos teus sonhos

entre leitos alvos espalhados na planície

luzes incolores nos olhos das crianças adormecidas

candelabros meu amor de fim de mundo



m.f.s.


09 maio 2006

post it / m. f. s.

chegar tarde



cheguei sempre tarde e sempre a horas

quando o fogo das noites brancas se sentava nos bancos
abandonados dos negros jardins
e os suspiros das andorinhas morriam nos ninhos de lama

cheguei tarde à soleira da porta para a dimensão do impossível

e cheguei cedo à montanha onde Maomé foi buscar o poder
de a arrasar

estendi planícies ao alvorecer porque era a hora de acordar

com um gesto improvável atirei as sementes da harmonia
que cresceram em declives cascalhantes
e secaram sobre os corpos etéreos dos pensamentos transparentes

chegarei cedo ao túnel iluminado em cujo término me espero

no colo imenso que me estende os braços e me pousa
na sua mão direita



m.f.s.

15 março 2006

post it / m. f. s.


até nós chegavam as notícias murmuradas
nas brisas da beira-mar

eram os rastos das jovens mães em alvoroço
os sons desarticulados das crianças nos ninhos
o desenho do futuro incandescente

as adolescentes ensaiavam meneios
como protagonistas de telenovelas
e riam olhando de través os rapazes
gulosos

os cabelos embranqueciam
nas cabeças dos animais domésticos
de olhos suplicantes

era notícia








m.f.s.

18 março 2005

quatro estações #crónicas de inverno

Image hosted by Photobucket.com
trinity park, queen street west


a ave



a ave quadrangular que me povoa os dias sem chuva
me arrasta pelos desertos sem principezinho
nem raposa vermelha
me devora o pescoço em haustos de carnívoro
e o fígado fere na sua fome
insaciável


a ave que ainda não derrotei nos meus pesadelos
de habitante único desta imensa ilha
chamada solidão


esta ave é o meu único companheiro
de longas penas azuis do céu
de garras de prata olhos de negro diamante


com ela subsisto morrendo
sem ela não existo





m. f. s.