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29 outubro 2012

jesus urceloy / (o poema)






    Não passe este prospecto sem o ter lido todo.
    Não passe uma porta se encontrar alguém que chora do outro lado.
    Observe bem antes que o acusem de homicídio,
    que uma sombra urgente o abrace com mágoa, o
    confunda com outro,
    lhe faça sinais e convide para a cama…


    Portanto, leia em pormenor o papel; depois vêm-nos
    reclamar e não estamos, compreenderá, para isso.


    Se lhe surgir qualquer dúvida,
    se lhe vier de repente um sorriso aos lábios ou pensar que lhe
                                                                                           mentem,
    rasgue o papel em mil pedaços, não se preocupe, há perdão
    para o furtivo,
    não constará no expediente, continue.


    Momentos há em que rasgados os papéis mais fácil é,
    mais bela é a leitura:
    reconhece-se antes a palavra seguinte,
    pronuncia-se com facilidade o verso e deixam de notar-se
    as lentas torções do decassílabo.


    Ao fundo, na expressão:
    não se esqueça de apagar o cigarro, abrir a alma,
    murmurar à sua sombra algum silêncio:
    apagar a luz, sentir entre os lençóis
    o livro a fechar-se, ouvir as boas noites.





jesus urceloy
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000



13 março 2007

uma fila de árvores caminha pela minha rua...



34.


Uma fila de árvores caminha pela minha rua em direcção ao
Norte.


As árvores caminham lentamente, com o rosto
levantado, arrogantes ou tristes, com essa lentidão do
equilibrista sobre um campo de minas.


Pudessem ser amigos que fugiram da morte,
pois a morte tem apego ao Sul.


Pudessem ser uma fila de homens sem casa nem
família com a convicção do soldado que
avança para a derrota.


Mas são apenas árvores, altas, de folha perene, cujos passos
impassíveis nunca perdem o ritmo,
uma fila que o vento não dissolve nem extingue.


Eu não quero saber que dor as sujeita, nem que
mão imprudente as animou a crescer.


Apenas as observo passar, dia após dia, passar desde
a infância, desde o primeiro amor.


Quereria perguntar-lhes os nomes, mas calo-me.

Quereria que a noite chegasse e as cobrisse:

Que inclinassem apenas a cabeça ao morrer.







jesus urceloy
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000