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10 novembro 2019

alexander search / entrevista com alberto caeiro



Entre as muitas sensações de arte que devo a esta cidade de Vigo, sou-lhe grato pelo encontro que aqui acabo de ter com o nosso mais recente, e sem dúvida o mais original, dos nossos poetas.

Mão amiga me havia mandado desde Portugal, para suavização talvez, do meu exílio, o livro de Alb[erto] Caeiro. Li-o aqui, a esta janela, como ele o quereria, tendo diante dos meus olhos extasiados o (...) da baía de Vigo. E não posso ter senão por providencial que um acaso feliz me proporcionasse, tão cedo empós a leitura, travar conhecimento com o poeta glorioso.

Apresentou-nos um amigo comum. E à noite, ao jantar, na sala (...) do Hotel (...), eu tive com o poeta esta conversa, que eu ansiei poder converter-se em entrevista.

Eu dissera-lhe da minha admiração perante a sua obra. Ele escutára-me como quem recebe o que lhe é devido, com aquele orgulho espantoso e fresco que é um dos maiores atractivos do homem, por quem, de supor é, lhe reconheça o direito a ele. E ninguém mais do que eu lho reconhece. Extraordinariamente lho reconhece.

Sobre o café a conversa pôde intelectualizar-se por completo. Consegui levá-la, sem custo, para um único ponto, o que me interessava, o livro de Caeiro. Pude ouvir-lhe as opiniões que transcrevo, e que, não sendo, claro é, toda a conversa, muito representam, contudo, do que se disse.

O poeta fala de si e da sua obra com uma espécie de religiosidade e de natural elevação que, talvez, noutros com menos direitos a falar assim, parecessem francamente insuportáveis. Fala sempre com frases objectivas, excessivamente sintéticas, censurando ou admirando (raro admira, porém) com absolutismo, despoticamente, como se não estivesse dando uma opinião, mas dizendo a verdade intangível.

Creio que foi pela altura em que lhe disse da minha desorientação primitiva em face da novidade do seu livro que a conversa tomou aquele aspecto que mais me apraz transcrever aqui.

O amigo que me enviou o seu livro disse-me que ele era renascente, isto é, filiado na corrente da R[enascença] P[ortuguesa] mas eu não creio...
- E faz muito bem. Se há gente que seja indigna [?] da minha obra é essa.
O seu amigo insultou-me sem me conhecer comparando-me a essa gente. Eles
são místicos. Eu o menos que sou é místico. Que há entre mim e eles? Nem
o sermos poetas, porque eles o não são. Quando leio Pascoaes farto-me de rir.
Nunca fui capaz de ler uma coisa dele até ao fim. Um homem que descobre
sentidos ocultos nas pedras, sentimentos humanos nas árvores, que faz gente dos montes e das madrugadas (...)É como um idiota belga dum Verharen, que um amigo meu, com quem fiquei mal por isso, me quis ler. Esse então é inacreditável.
- A essa corrente pertence, penso, a Or[ação] à L[uz] de Junqueiro.
- Nem poderia deixar de ser. Basta ser tão má. O Junqueiro não é um poeta. É um [...] de frases. Tudo nele é ritmo e métrica. A sua religiosidade é uma coisa. A sua admiração da natureza é outra coisa. Pode alguém tomar a sério um tipo que diz que é (...) da luz misteriosa juntinho ao altar de Deus. Isto não quer dizer nada. É com coisas que não querem dizer nada, excessivamente nada, que as pessoas têm feito obra até agora. É preciso acabar com isso.
- E João de Barros?
- Qual? O contemporâneo... A personagem não me interessa. Detesto-a, como o futuro e o destino. A única coisa boa que há em qualquer pessoa é o que ela não sabe.

s.d.


fernando pessoa
pessoa por conhecer - textos para um novo mapa
teresa rita lopes
estampa
1990





16 outubro 2016

alexander search / por isso, muito bem disse caeiro




Por isso, muito bem disse Caeiro

A Natureza é partes sem um todo.

O Universo, como conjunto, síntese e não soma das coisas, é uma ideia abstracta. Por isso não há Universo. Não é por não sabermos se não há; é por sabermos, por isso que ele é uma ideia abstracta, que não há.

O exemplo melhor das ideias abstractas e do para que servem são os números, a matemática. Nada mais útil, mas, em si, nada mais falso. Só um louco julga que o número 5, por exemplo, é uma coisa: mas o n.0 5 é útil, como os outros números, porque é um meio de compreender a realidade, não em si mesma, mas tem utilidade, em relação apenas a nós e à nossa imperfeição.

Se os nossos sentidos fossem perfeitos, não precisávamos de inteligência, as ideias abstractas de nada nos serviriam.

A imperfeição dos nossos sentidos faz com que não concordemos nunca em absoluto sobre um objecto ou um facto do exterior. Nas ideias abstractas concordamos em absoluto. Dois homens não vêem uma mesa da mesma maneira; mas ambos entendem a palavra «mesa» da mesma maneira. Só querendo visualizar uma mesa é que divergirão; isso, porém, não é a ideia abstracta da mesa.

s.d.


poemas completos de alberto caeiro
textos heterónimos
fernando pessoa
recolha, transcrição e notas de teresa sobral cunha
presença
1994