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31 agosto 2017

álvaro feijó / funâmbulo



A miséria é tão grande do meu lado
que me apetece ir combater
do lado dos inimigos.

Em espírito, passei.
                                  Chego, vaiado
pelo povo e ao som
das fanfarras explosivas dos mandantes.

E torno a ver
aquilo que dantes
vira, aumentado, talvez, milhões de vezes.

Oh! Morrer por morrer…


Eu sinto
que vale mais morrer do outro lado,
onde se morre mais limpo!



álvaro feijó
os poemas de álvaro feijó
portugália
1961







18 fevereiro 2017

álvaro feijó / porque viste chegar


Porque viste chegar
em carros que custaram
quantias fabulosas
ladies loiras,
signoras encantadoras
e os seus inseparáveis cães de luxo,
porque as viste chegar cheias do pó da estrada
e com ar de quem
teve perto de si o sofrimento,
choraste.
Valeu a pena? Não!
Valia a pena chorar por aqueles
que vinham
a pé.

Novembro de 1940



álvaro feijó
os poemas de álvaro feijó
portugália
1961



23 janeiro 2017

álvaro feijó / os dois sonetos de amor da hora triste



1
Quando eu morrer – e hei-de morrer primeiro
do que tu – não deixes fechar-me os olhos
meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
e ver-te-ás de corpo inteiro


como quando sorrias no meu colo.
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
dentro de mim, se, então, tiveres coragem
fecha-me os olhos com um beijo.
                                                          Eu, Marco Pólo,


farei a nebulosa travessia
e o rastro da minha barca
segui-lo-ás em pensamento. Abarca


nele o mar inteiro, o porto, a ria…
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.



2
Não um adeus distante
ou um adeus de quem não torna cá,
nem espera tornar. Um adeus de até já,
como a alguém que se espera a cada instante.


Que eu voltarei. Eu sei que hei-de voltar
de novo para ti, no mesmo barco
sem remos e sem velas, pelo charco
azul do céu, cansado de lá estar.


E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação.
E não quero que chores para fora,
Amor, que tu bem sabes que quem chora


assim, mente. E se quiseres partir e o coração
to peça, diz-mo. A travessia é longa… Não atino
talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino.


álvaro feijó
os poemas de álvaro feijó
portugália
1961