24 abril 2016

manuel antónio pina / a décima oitava infância



1.       A  Casa
Tenho dezoito amigos. Um doente, outro não.
Dezoito casas, uma verde: gozos
não se discutem, como dizia a avó
do Alexandre, que era escritora.
Tenho pois dezoito amigos, um amigo
Verde. Onde a noite principia vejo-os.
São três. Um verde. Um morto
com uma bala na cabeça. São os meus
amigos. Faço as pazes com eles.

2.       A Guerra
Os meus amigos vão para a guerra. Dão
e levam devagar, asseguro-vos. São novos, morrem.
Em dezoito guerras perdi
dezoito amigos, um doente outro não.
Odeio a guerra devagar,
tenho tempo. Os meus amigos
atravessam ruas, adoecem.
Escrevem oitocentas cartas por minuto,
nove em cada dez perdem-se para sempre.
A verdade é que isto não vai com poemas,
como diria o outro.

3.       Um Amigo
Entrevisto vagarosamente um amigo.
As suas declarações são sensacionais.



manuel antónio pina
ainda não é o fim
nem o princípio do mundo
calma
é apenas um pouco tarde
erva daninha
1982



1 comentário:

Xúnior Matraga disse...

Vão-se os amigos por necessidade, ficam-se as lembranças
Vão-se os amigos por vontade, não fica nada.
Vão-se os amigos no curso da vida.