26 setembro 2015

antonio gamoneda / o esquecimento é a minha pátria vigiada



O esquecimento é a minha pátria vigiada e ainda tive um país mais vasto
                e desconhecido.

Regressei no meio de um silêncio de pálpebras àqueles bosques em
                que fui perseguido por pressentimentos e propostas de homens
                enfermos.

É aqui onde o medo vê a força do teu rosto: a tua realidade no
                desaparecimento

(que se estendia como chuva no fundo da noite; mais lenta que a
                tristeza, mais húmida que lábios sobre o meu corpo).

Eram os dias grandes da traição.


Alimentava-me a fosforescência . tu criaste a mentira entre as per-
                nas da minha mãe; não existia a dor e tua criaste a compaixão.


Tu voltavas às hortênsias


e soluçaste debaixo da lente dos comissários.


Eu vi a luz da inutilidade.


A minha boca é fria nas preces. Este relato incompreensível é o que
                resta de nós. A traição prospera em corações invioláveis.


Profundidade da mentira: todos os meus actos no espelho da mor-
                te. E os carvões resplandecem sobre a pele de heróis ainda des-
                pertos no umbral da imbecilidade.


E esse alarido entre cristais, essas feridas que não são visíveis senão
                no instante do amor…

Que hora é esta, que erva cresce na nossa juventude?



antonio gamoneda
descrição da mentira
trad. vasco gato
quasi
2003



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