16 abril 2015

henri michaux / imensa voz



Imensa voz
que bebe
que bebe

Imensas vozes que bebem
que bebem
que bebem

Rio-me, rio-me sozinho nas outras
nas outras
nas outras barbas
Rio-me, tenho o canhão que ri
o corpo em forma de canhão
eu, eu tenho, eu sou

noutro lado!
noutro lado!
noutro lado!

Uma brecha, que importa?
uma ratazana, que importa?
uma aranha?

Por ser mau agricultor perdi o meu pai
não, não tragam luz
perdi-o portanto

O comando extinguiu-se
apagou-se a voz. Pelo menos mais abafada
Vinte anos depois, novamente, que ouço eu?

Imensa voz que bebe as nossas vozes
Imenso pai reconstruído gigante
pelo cuidado, pela incúria dos acontecimentos

Imenso Tecto que nos cobre os bosques
as alegrias
que cobre gatos e ratos

Imensa cruz que nos amaldiçoa as jangadas
que nos verga os espíritos
que nos prepara os túmulos

Imensa voz para nada
para o sudário
para nos desabar as colunas

Imenso «deve» «dever»
dever dever dever
Imensa imperiosa rigidez.

Com uma grandeza fingida
imenso acontecimento
que nos gela

Será que nascemos para sermos a ganga?
Será que nascemos, de dedos partidos, para dar
toda uma vida a um falso problema?

a não sei quê para não sei quem
a um não sei quem para um não sei quê
sempre em direcção a mais frio?

Basta! Aqui não se canta
Não terás a minha voz, grande voz
Não terás a minha voz, grande voz

Passarás sem ela, grande voz
Também tu passarás
Tu passarás, grande voz.



henri michaux
antologia
tradução de margarida vale de gato
relógio d´água
1999




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