23 maio 2014

vasco costa marques / último poema do amor ausente



Todo o corpo lhes dói de acertar os relógios
De momento a momento às vantagens do tempo
Meu amor meu amor tem por vezes o gosto
Do veneno sorvido ao desabar das pontes

A mais frágil aragem os confunde
O espaço aberto enreda-lhes os passos
O convívio da vida esboroa as palavras
A liberdade é um peso enorme nos seus ombros

«Tudo quanto perdi na violência do tempo
Veio hoje até mim como o espinho da flor
Como o operário morto entre o ferro e o cimento
Da construção do amor

Foi um lento e incógnito perfume
Foi um lago sem margens intransposto
Foi uma pedra vermelha de lume
O mais belo sorrir de desgosto»



vasco costa marques
poesia dos dias úteis
1956



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