15 janeiro 2014

inês dias / et nunc manet in te



Meu amor,
a casa está tão sozinha que
os pássaros vêm morrer lá dentro.
Nada mudou, mas falta
a mão para acariciar o gato
e acolher a ninhada secreta,
o sorriso que enchia o tanque
e fazia crescer a horta.

Já ninguém apanha as laranjas mais altas
ou usa a sombra da nogueira.
E até os ciprestes se tornaram redundantes
ao ponto de os abatermos:
a ausência diz-se melhor no esplendor
inútil das rosas sem esse olhar,
nas papoilas raras que duram
o tempo de uma fotografia.

Um dia, deixaremos também uma casa assim,
casulo abandonado a sobreviver-nos.
Um de nós escutará as asas ansiosas
na chaminé, antes de pousar o livro
e amparar o último pássaro.
Só parecerá menos triste
porque não teremos, então,
nada mais a perder.



inês dias
resumo, a poesia em 2011
documenta
2012





1 comentário:

Mer Rose disse...

Cada vez que leio algum poema da poetisa Inês Dias sinto a intensidade de cada palavra escrita. Foi um prazer ter sido sua aluna.
E deixo um pequeno contributo para si que me aguçou o gosto pela poesia, pela língua portuguesa e o mais importante para mim transformar cada objectivo numa meta traçando um caminho para chegarmos até ela ... E nunca deixar de acreditar que a conseguimos alcançar...


Preamar
Como é bom sentir a maresia
o espírito eleva-se a um nível
que presencia, o nirvana.

Com a certeza de que a terra é redonda
mas o mar cruza-se com o céu numa onda ..
Que me faz sonhar e sentir viva,
sinto-me resgatada pela vida,
já fui tida e achei-me.

No caminho mais improvável
de ser o correcto
sem ser sequer concreto
mantenho-me no momento exacto
mas parece abstrato ...

Sinto o meu ser persuadido
por vontades contraditórias
memórias passadas
em brumas de histórias contadas

com o meu ar incrédulo
acredito em tudo o que vejo porque
os ouvidos não escutam coração que fala..

São apenas sentimentos não sedimentados.
Momentos atribulados que vivi
e ainda não esqueci,
porque fazem parte de mim.

Eu sou um pouco de ti
Tu és um pouco e mim
somos um pouco do mundo
que nos rodeia enfim..


Realidades distintas
que se conjugam na perfeição
sem ser com pincéis
canetas ou papéis
fizemos arte acontecer
entreguei-me sem te ter ..

Sem saber sequer
quanto valho, falho
com uma sobriedade notável.
De quem está a praticar
um acto

insano,
profano,

mas não derramo
arrependimento fingido.

Tudo acontece por um motivo ..


Um beijo
Raquel Velho (da LAV)