29 outubro 2012

jesus urceloy / (o poema)






    Não passe este prospecto sem o ter lido todo.
    Não passe uma porta se encontrar alguém que chora do outro lado.
    Observe bem antes que o acusem de homicídio,
    que uma sombra urgente o abrace com mágoa, o
    confunda com outro,
    lhe faça sinais e convide para a cama…


    Portanto, leia em pormenor o papel; depois vêm-nos
    reclamar e não estamos, compreenderá, para isso.


    Se lhe surgir qualquer dúvida,
    se lhe vier de repente um sorriso aos lábios ou pensar que lhe
                                                                                           mentem,
    rasgue o papel em mil pedaços, não se preocupe, há perdão
    para o furtivo,
    não constará no expediente, continue.


    Momentos há em que rasgados os papéis mais fácil é,
    mais bela é a leitura:
    reconhece-se antes a palavra seguinte,
    pronuncia-se com facilidade o verso e deixam de notar-se
    as lentas torções do decassílabo.


    Ao fundo, na expressão:
    não se esqueça de apagar o cigarro, abrir a alma,
    murmurar à sua sombra algum silêncio:
    apagar a luz, sentir entre os lençóis
    o livro a fechar-se, ouvir as boas noites.





jesus urceloy
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000



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