04 junho 2012

ernesto sampaio / o fogo despe-se cada vez mais cheio de alegria


  



    O fogo despe-se cada vez mais cheio de alegria alisado no vento de cada
    poro da aurora
    Começa-se a abrir o Sol em gotas de sangue tatuadas de esperma
    Há uma flor de lava no fim de cada braço no fim de cada perna no fim
    dos tempos
    E uma chuva de cinzas e de espinhos caminha a meu lado onde começa o
    mar das grandes lanças de água
    É todo o teu ventre a cantar nas minas da catástrofe de noites sem
    véus de rios que começam a vida de gestos no crepúsculo
    São os teus olhos voando sobre os frutos da tempestade
    É a cabeleira da Terra envenenando o ar de beleza ao ritmo alucinado
    com que abres as pálpebras deixando sair os lagos da tua infância
    e a luz louca da crisálida que nos gerou dissimulada em cada pedra
    em cada cama onde morremos juntos

    Chicote ronronando por cima de nós em noites desmedidas na coragem
    de ver nascer uma nova manhã e uma nova estrada e uma nova boca incrível
    Monstros sem ordem génios galopando na respiração estrelada dos meus
    pulmões Primaveras a recolher numa outra vida numa outra vida amante
    Olhar suculento mestre do horror e da audácia gelada em cada canto em
    cada flor de fumo colada aos ossos dum horizonte inocente e inesgotável
    Poeira dum astro pré-existente ao nosso espiral dos dias que estreitamos
    puros tripas da raiva vegetal que embrulhamos em cada palavra
    Fogo perpétuo fruto espantoso de bandeiras negras e vermelhas comboio
    que esmaga e canta e ninguém deterá

    Fuzis do hálito esbraseado danados embraiados num sinal nos ares num
    sinal vermelho
    Na cinta a pistola de cada injustiça nas costas a metralhadora da
    porrada que nos deram no bolso um chacal a sorrir-nos no sexo tu
   Tu meu avião de vinho minha rã no cérebro meu castelo de múmias
    minha jovem eterna de mãos de radium minha fonte que enche a boca de estrelas
   meu grande ventre de movimentos marítimos meu incêndio possuído numa cama de   meteoros
    meu sopro de todas as potências minhas costas de Mar e de Terra
    minhas coxas de deboche minha mulher de movimentos de fuzilamento de movimentos loucos
    minha flor de sangue de ferro de esperma minha destruição luminosa
    minhas nádegas de noite e de loucura
                                           
                                            MEU AMOR

    Habito a lealdade dos presságios
    Começo a ser um bom leito para o meu sangue





ernesto sampaio
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poesia surrealista portuguesa
antologia de perfecto e. cuadrado
edicións laiovento, compostela
1996





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