06 outubro 2016

arsenii tarkovskii / o espelho


III
Não acredito em pressentimentos
e augúrios.
Não me amedrontam. Não fujo da calúnia.
Nem do veneno.
Não há morte na Terra.
Todos são imortais. Tudo é imortal.
Não há por que ter medo da morte aos 17
ou mesmo aos 70.
Realidade e luz existem,
mas morte e trevas, não.
Agora estamos todos na praia
e eu sou um dos que içam as redes
quando um cardume
de imortalidade nelas entra.
Vive na casa – e a casa continua de pé.
Vou aparecer em qualquer século.
Entrar e fazer uma casa para mim.
É por isso que os teus filhos
estão ao meu lado
e as tuas esposas,
todos sentados a uma mesa,
uma mesa para o avô e o neto.
O futuro é consumado aqui e agora,
e se eu erguer levemente
a minha mão diante de ti,
ficarás com cinco feixes de luz.
Com omoplatas como esteios de madeira
eu ergui todos os dias
que fizeram o passado.
Com uma cadeia de agrimensor,
eu medi o tempo
e viajei através dele como
se viajasse elos Urais.
Escolhi uma era que
estivesse à minha altura.
Rumámos para o sul,
Fizemos a poeira rodopiar na estepe.
Ervaçais cresciam viçosos;
um gafanhoto tocava,
esfregando as pernas, profetizava.
E contou-me, como um monge,
que eu pereceria.
Peguei no meu destino
e amarrei-o à minha sela;
e agora que cheguei ao futuro ficarei
erecto sobre os meus
estribos como um garoto.
Só preciso da imortalidade
para que o meu sangue continue
a fluir de era para era.
Eu prontamente trocaria a vida
Por um lugar seguro e quente
se a agulha veloz da vida
não me puxasse pelo
mundo como uma linha.


arsenii tarkovskii
o espelho
andrei  tarkovsky
1975



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